20 dezembro 2013

Deguste um livro: Olhos de Dragão

Nesta noite, mais um lançamento. Já viram que os autores nacionais estão com tudo este ano?! Hoje é a vez da escritora Márcia Albuq, com seu livro ambientado na China Antiga, Olhos de Dragão.

 Daqui a pouquinho acontecerá o bate papo com a autora na Bienal Online, e somente hoje os outros dois livros dela estão disponíveis para download gratuito na lojinha da Amazon. Aproveite!











Confira a sinopse e o primeiro capítulo do livro:

Sinopse

Quero te convidar a conhecer as memórias do Imperador Shi, mas pra aceitar o convite você tem que ir comigo até a última página. Não vale desistir no caminho, tem que ter coragem e chegar até o final, topa? Você não vai se arrepender!

Existe um Provérbio Chinês que diz: “Lembre-se que grandes realizações e grandes amores envolvem grandes riscos.” Nada melhor do que esse provérbio para começar a ler as memórias de Shi, o jovem Imperador Chinês que envolvido em um grande segredo vê sua vida mudar completamente ao conhecer Zheng.
Toda essa história começou em meados do século XV na China Antiga, precisamente na Cidade Proibida, em plena Dinastia Ming, entre as misteriosas paredes do palácio imperial onde vive o Imperador. Zheng é um rapaz simples, filho de um militar que tinha um sonho de infância: se tornar um Guerreiro do Exército Chinê. Shi o Imperador da China, também tinha um sonho: ser livre. Com a ajuda de Zheng o imperador vai descobrir outros motivos para viver, para ser feliz. Ele vai descobrir a possibilidade de amar, como nunca imaginou antes.
As memórias de Shi guardam um segredo que se descoberto pode mudar toda a história da sua dinastia. Nessa história existe uma grande amizade, uma paixão não correspondida, um amor verdadeiro, uma traição, uma ambição, uma vingança e, por fim, uma descoberta capaz de mudar até mesmo o que você, leitor, imaginará desde a primeira página do livro.

Você vai se surpreender do início ao fim dessa história.

CAPÍTULO I
分娩
Nascimento


Toda minha história começou em meados do século XV na China Antiga, precisamente na Cidade Proibida, em plena dinastia Ming sob o meu Império. Hoje parecia ser um dia comum, sol brilhando forte sobre as terras da China, canto dos pássaros como uma oração sagrada, natureza reluzente que invadia o vazio que meu olhar procurava preencher através da visão da janela, no templo de reuniões em que eu me encontrava. Costumo passar horas, sozinho, de frente a esta imagem e muitas vezes, pensativo, procurando respostas, alimentando a saudade com as lembranças dos momentos que conversei com meu pai neste mesmo lugar.
Ainda me recordo, ele ficava exatamente onde fico agora, olhando pela janela, apreciando o jardim e me instruindo, me orientando, me dizendo palavras sábias e me fazendo acreditar que existia em algum lugar a felicidade guardada para mim. Chamam-me de filho do céu e eu me vejo um filho sozinho, muito distante deste Ser Sagrado e Supremo que em mim idolatram. Meu pai sim, em meu adorado pai, eu encontrava um Deus sábio portador de um amor incondicional e de uma honra admirável, um Deus que eu procuro todas as vezes que meu coração aperta, angustia, que está cheio de dúvidas e de silêncios.
A saudade é a amizade que me convida à tristeza e, por vezes, me possui, como agora, como essa manhã. Envolvido nestas recordações e no vazio que buscava de todas as maneiras preencher sou convidado a voltar para o meu corpo ao ouvir a voz sonora do Comandante Deshi que ecoava fortemente pela sala, embora eu soubesse que ele tentava ao máximo abafar o tom da sua voz grave almejando um dia conseguir a suavidade.
– Majestade?! – pronuncia Deshi ao adentrar na sala de reuniões. Estava como sempre bem-vestido e com uma postura impecável. Segurava fortemente sua espada com toda honra que lhe é concedida se posicionando alguns metros de distância sem me encarar, apenas aguardando minha resposta.
– Sim, Deshi – respondi, sem virar-me completamente, observando sutilmente para a lateral onde ele estava a postos.
– O exército está pronto! Todos os homens estão esperando a Vossa Majestade, ansiosos para o início da demonstração de bravura – respondeu Deshi que sem dúvida amava servir ao imperador.
Foi o comandante de segurança do meu pai e agora é o meu. Sempre orgulhoso de treinar e preparar o nosso exército, esse dia para ele é de festa e muita glória. É o dia anual de recepção dos novos militares, o grupo de homens que vai fazer parte da Classe Militar do Império Chinês e que guarda os muros da Cidade Proibida.
– Obrigado Deshi, irei logo em seguida. – Eu não era encarado, ninguém tinha o privilégio de me olhar e nem de conversar comigo com frequência.
Poucos, como Deshi, conviveram tão de perto durante anos com imperadores de uma mesma dinastia. Nem mesmo ele tinha me visto de verdade. O meu olhar tem o dom de afastar o olhar de qualquer pessoa comum na China. Ninguém ousava conhecer meus olhos, nem mesmo Deshi que me viu crescer. Essa distância é fundamental para mim, para minha segurança. É essencial para a China que meus portais da alma permaneçam na obscuridade, na escuridão, é importante que eu me mantenha nas sombras. Deshi me cumprimentou e saiu ficando a postos na porta esperando minha passagem.






Dirigi-me ao meu quarto, escoltado por Deshi. Como a ocasião pedia vesti uma das minhas melhores roupas, afinal era a única coisa que os demais olhariam, para as vestimentas do imperador. Ao sair do meu espaço mais íntimo Deshi estava esperando na frente, fazendo a guarda. Esperou que eu passasse e veio logo atrás seguindo meus passos. Pelo corredor principal do palácio que abria caminho para outros inúmeros corredores, formando um labirinto, ecoavam os passos fortes e barulhentos daquele homem alto e másculo que por mais que se esforçasse não conseguia ser leve ou mesmo sutil contrastando com o silenciar das minhas pisadas que mal davam para serem ouvidas.
Vesti-me de cores escuras na intenção de demonstrar minha seriedade e meu luto eterno pelo meu pai. Desde sua morte a tristeza me parece ser uma companheira inseparável que vem desfrutando todos os meus dias e as primaveras que me alegram com flores. Nesse passo, silenciados, eu e ele chegamos ao portão meridiano ao sul, o portão principal de frente à praça central do palácio.
Há alguns passos da sacada pude apreciar um dos mais belos espetáculos, o sol iluminando as telhas amarelas que distribuíam raios de beleza incomparável a qual me impossibilitava descrição de tão simples que são minhas palavras diante do deslumbre da China. Meus olhos não se cansam de apreciar a natureza enquanto os oficiais de segurança aguardavam minha chegada, organizados harmoniosamente em fileiras.
Obedecendo ao ritual deixo que o Comandante Deshi ultrapasse minha entrada e chegue à frente da escadaria da praça anunciando a todos a minha presença. Os oficiais preparam-se e ficam a postos para que eu percorra o caminho no qual estão enfileirados, na minha lateral, formando um corredor negro em que nada parecia estar fora do lugar, direcionado da sacada ao trono imperial dourado com almofadas vermelhas e fofas. Ando alguns passos e percebo a movimentação do grupo de homens recém-chegados tentando enxergar ousadamente a imagem do imperador, tão pouco vista pelo povo chinês.
No entanto, era uma tentativa frustrada uma vez que minha estatura baixa e franzina era encoberta por aquele corredor da guarda de segurança despertando apenas a curiosidade da população que ao tentar me ver fazia renascer um fio de esperança, uma vez que todos temiam quanto a minha saúde frágil e minha vida solitária. Até então sem herdeiro para o trono da China que não poderia ficar sem o filho do céu, na terra.
De frente à escadaria do palácio imperial, protegido pelos inúmeros oficiais, estava o trono que me aguardava. Posiciono-me naquele espaço tão grande que não parecia uma cadeira, mas um dragão a me engolir onde sobrava espaço para mais uma pessoa. A alguns metros de distância e abaixo da longa escadaria estava o tapete humano do exército recém-chegado para compor a Classe Militar da China. Estávamos em um momento muito delicado de crise, inúmeros povos tentavam invadir o Império e subjugar meu povo.
Apesar da minha saúde debilitada eu buscava ter pulso forte nas decisões, governar através dos ensinamentos sábios deixados pelo meu pai tentando fazer escolhas com discernimento para promover a paz e prosperidade para o povo chinês. No entanto, aqui dentro de mim eu temia envolvido no silêncio que me sufocava não podendo deixar transparecer para o meu povo as angústias que me atormentavam. 
Eu jamais poderia permitir que a minha dinastia trouxesse vergonha para a China. Meu pai partiu quando eu ainda tinha quinze anos, após oito anos ainda sinto saudades do seu colo, do seu abraço e das nossas conversas que me diziam o que fazer na hora exata. Ele era meu único amigo e confidente. Hoje eu vivo constantemente enclausurado, sem pessoas que possa confiar, sem amigos, sozinho. Todas as minhas falas são de ordem, de consentimento, de pedidos e de versos que escrevo escondido para diminuir esta solidão que me angustia tanto.
Deshi é a pessoa com quem mais convivo diariamente, me escolta sempre. É sério, robusto e fiel, serviu com fidelidade ao meu pai até seu último suspiro, como serve a mim. Não conversamos muito, apenas nos falamos, mas ele me parece um amigo por tão poucos que possuo ao meu lado. Ele faz a minha segurança pessoal e com isso é a pessoa com quem mais compartilho o meu tempo.
A minha aparição para recepcionar o exército é motivo de festa em toda cidade, uma vez que o imperador frequentemente não é visto. Essa é a chance de poucos poderem ver o soberano de uma dinastia. Enquanto as pessoas trabalham na agricultura, comércio, artesanato e nos cuidados da casa, eu trabalho governando através de uma vida restrita, caminhando e comendo pouco, observando, meditando e contemplando muito, entre os nove mil cômodos da Cidade Proibida, cheia de silêncios e de mistério, repleta de histórias silenciadas.
Bem, esse sou eu, o Imperador Shi, jovem, frágil e solitário como sei que todos me imaginam. Essas são minhas memórias diante do olhar curioso e temeroso do tapete humano dos militares em forma que olham na minha direção sem ousar mirar meu rosto, uma forma extremamente estranha de perceber o outro, que sempre me provocava vontade de sorrir.
O Comandante Deshi a postos na minha lateral faz um sinal para que comece a apresentação ao imperador e uma série de demonstrações tem início. Apesar deles não me olharem no rosto, muito menos nos olhos, o meu olhar passeia entre eles observando e buscando compreender o nível de concentração, determinação e força que existe em cada guerreiro presente.
 Tudo parecia extremamente igual a todas as vezes que um novo corpo de militares se apresentava para entrar na classe de oficiais da realeza, se não fosse um detalhe, um doce detalhe, um soldado ágil entre os guerreiros que roubou todos os segundos da minha atenção. Durante os momentos da sua apresentação meu olhar não conseguia se desviar dos movimentos tão precisos que aquele corpo perfeito fazia.
– Quem é este Deshi? – perguntei apontando para o rapaz que aos meus olhos se destacava dos demais.
– Esse é Zheng, a mais nova promessa para o exército. Eu o escolhi entre os outros para confiar a chefia da Guarda de Oficiais enquanto me dedico exclusivamente a sua segurança, Majestade – disse Deshi num tom de orgulho curvando-se um pouco para responder próximo ao meu ouvido, mas olhando e gesticulando para os movimentos do rapaz.
Durante alguns minutos me esvaziei de todos os sentidos e de todas as responsabilidades dos poucos anos que a minha existência acumulou. Parei e apenas deixei meus pensamentos fluírem. A mim é permitido apreciar de tal forma? Não sei apenas me deixei. Esqueci meu lugar, minha posição e apenas me permiti uns segundos para perceber que corre sangue em minhas veias, que meu coração era capaz de bater numa velocidade mais rápida do que o normal.
Ele era completamente diferente de todos os outros, ele era uma exceção entre os milhares de guerreiros que ali demonstravam sua força e coragem ao seu imperador. Ele tem uma expressão forte e suave ao mesmo tempo, um ponto de mistério, eu diria.
Uma neblina que toca suavemente a pele sem ser vista. Um perfume que nos transporta sem esforço. Existe nele uma honra em estar ali tão reluzente que se fazia notar em cada movimento audaz que ele traçava num misto de rapidez e perfeição. Enquanto meu olhar perseguia seus detalhes às escondidas, a fala do comandante sobre os atributos do rapaz quase não me eram perceptíveis de tão envolvido que meus pensamentos estavam. 



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