Continue acompanhando a Bienal Online, hoje à noite, às 20h, tem bate papo.
Capítulo 1
Melissa bateu a porta do seu quarto, frustrada mais uma vez por discutir com sua mãe. Jogou-se na cama e abafou seu grito mordendo o travesseiro, numa tentativa de expulsar aquela raiva momentânea.
Não entendia o que acontecia. Cada vez que conversavam acabavam se desentendendo. Temperamentos parecidos? Talvez... Mas, ainda assim, acreditava que essa não fosse a resposta. Afinal, apenas ela sentia-se assim.
Suas irmãs tinham o temperamento oposto do seu. Eram mais impacientes, nervosas, eram de falar as coisas na cara mesmo. Tinham mais atitude, às vezes, até exageradas. Não que Melissa não fosse de atitude, apenas demorava para falar algo que requeresse um confronto. Odiava isso. Preferia ficar no seu canto, caladinha, engolindo sapos, do que abrir a boca e machucar alguém. Garanto-lhe que saía pior que a “tal” pessoa. Resumindo, ela era muito sensível e, às vezes, ingênua. Isso geralmente a atrapalhava. Só, por favor, não peça para ela ser diferente. O que posso dizer? É contra a sua natureza.
Levantou-se da cama e se encarou pelo espelho. Era loira da pele bronzeada, resultado de um pai alemão e uma mãe cabocla. Amava a facilidade que tinha de ficar bronzeada, embora raramente fizesse isso. Penteou o cabelo e fez um coque. Agora estava pronta para ir trabalhar. Mais calma do que antes, deu um sorriso para si mesma e saiu de casa.
Melissa sentiu aquele cheiro que amava ao jogar um pacote de coco ralado na máquina de sorvete, que se misturou rapidamente aos demais ingredientes. Agora era a hora perfeita para o chocolate fazer a sua parte. Hum... Perfeito!
Depois de um tempo, estava tudo pronto. Melissa suspirou fundo e pegou uma pequena tigela para provar o seu trabalho. Estava realmente delicioso...
Escutou a sineta da porta. Clientes à vista.
Largou o sorvete e foi para o balcão de atendimento. A sala não era muito grande, mas do tamanho suficiente para que coubessem dois freezers, o balcão e uma estante com alguns salgadinhos. A fachada, como toda a estrutura, era branca, simples, porém bonita. Não havia propriamente uma placa, mas colocaram o nome escrito na parede ao lado da porta grande de entrada “Sorveteria Quero Mais”. Quem deu o nome foi a mulher já falecida do seu Cristóvão, seu patrão, como que um incentivo aos sorveteiros de plantão. Entretanto, o sorvete foi tornando-se tão bom, que muitos concordavam com o nome.
Havia cinco clientes para atender, porém, pelo canto do olho percebeu mais movimentação. A fila se estendia e Melissa estava ficando nervosa por não conseguir suprir, afinal, era apenas uma contra um exército desejoso por aqueles sorvetes majestosos, num calor insuportável.
Era final de janeiro e, como sempre, aquele calor que só o povo de Jaraguá do Sul conhece. Às vezes, era insuportável, e a sorveteria aproveitava esse momento, o que rendia trabalho em dobro naquele calor horrível.
No momento, apenas vendiam sorvetes em potes, o que facilitava as coisas quando estava sozinha. Seu Cristóvão estava querendo implementar um buffet de sorvete. A ideia era legal, mas não para o bolso atual da empresa. Não havia como contratar ninguém. Ficava feliz por seus argumentos serem aceitáveis e o assunto não era tocado durante um mês. Por trabalhar há cinco anos na sorveteria, tinha esse poder, seu patrão sempre a escutava.
Ainda estavam se reerguendo de um assalto que acontecera há dois meses. Tudo foi roubado e, desde então, a única funcionária que havia além de Melissa pediu demissão, traumatizada pelo acontecido. Foi num sábado de manhã. Um homem fingindo-se de cliente fez um pedido grande. Enquanto a funcionária foi fazer o pedido, o bandido aproveitou e trancou a porta para que ninguém mais entrasse. Quando voltou com tudo pronto, ele apontou a arma, ordenando que lhe desse todo o dinheiro do caixa.
Ficaram totalmente atordoados quando viram o estado da pequena fábrica. Além do dinheiro do caixa, haviam roubado os dois freezers que estavam na parte de dentro e mais o outro que ficava na loja. E, o pior, a máquina de fazer sorvete. Como se já não bastasse o sofrimento de seu Cristóvão que perdera sua mulher recentemente...
Isso tudo vinha em sua mente, nos sábados pela manhã. Apesar de, às vezes, ficar com um pé atrás a cada cliente que entrava, ainda assim, tentava manter-se tranquila e procurava não pensar muito nisso, afinal, seu sustento e o do seu Cristóvão vinha das vendas dos sorvetes.
Verificou a fila e ficou admirada, já estava atendendo ao último cliente. Foi tão rápido que nem havia percebido. Foi tomar um copo de água, estava com a boca seca de tanto falar. Escutou a sineta novamente. Um jovem que aparentava ter em torno de 25 anos entrou. Seu rosto parecia familiar, talvez fosse um cliente antigo, mas não teve certeza.
O jovem sorriu e observou o freezer.
− Tem mais, além desses potes?
Melissa olhou confusa.
− Por quê?
− Preciso de 50 potes.
Quase caiu com o impacto daquilo. Desconfiou por um instante. E ele pareceu ler seus pensamentos.
− São para os meus parentes. Chegaram de surpresa e, acredite, a família é enorme − Sorriu suavemente, fazendo-a estremecer. Aquela sensação perturbadora de perigo instalou-se nela.
Fez a contagem dos potes que estavam no freezer. Faltariam pelo menos 30. Teria de ir para a outra sala. Havia mais sorvete pronto, mas estavam em um recipiente grande. Teria que pesá-los nos potes pequenos para serem vendidos.
− Vamos fazer o seguinte. Vou pagar tudo agora e daqui a pouco volto. Pode ser?
− Ok.
Ela permaneceu desconfiada, com receio de que fosse outro assalto. Ligou para seu Cristovão assim que o jovem saiu. Ele compreendeu seu estado e disse que mandaria um amigo policial para ficar de olho.
Melissa respirou fundo, procurando ficar calma.
Às 17 horas, os potes já estavam prontos. Arrumou tudo em três caixas, aguardando a volta do jovem, enquanto o policial estava perto da porta, observando o movimento da rua.
Meia hora depois, ele apareceu com três caixas grandes de isopor. Cumprimentou o policial e encarou Melissa em silêncio. Esta mostrou os sorvetes na caixa e assim que começou a contar, ele a interrompeu colocando a mão sobre a caixa, impedindo-a de fazer a contagem.
− Não precisa disso. Confio que os 50 potes de sorvetes estão aí. − Seu semblante estava sério, muito diferente de antes.
Colocou as caixas dentro do isopor e levou uma por uma até o carro. Na última caixa, parou e perguntou se estava tudo certo. Melissa respondeu que sim, um pouco sem graça pela presença do policial.
− Sei o que vocês pensaram e não sou esse tipo de gente.
Ela tentou argumentar algo, mas nada saiu de sua boca a não ser lamentações por fazer um cliente se entristecer. Sabia que tinha as suas razões e ele, as dele.
Olhou para o dinheiro na caixa registradora. Pelo menos, daria para pagar a conta da luz e a matéria prima da terça-feira. A situação não estava nada fácil na sorveteria do seu Cristóvão e Melissa fazia de tudo para ajudar.
Apesar de ser a única a trabalhar no recinto, se esforçava para deixar tudo em ordem. Não era apenas uma funcionária, havia se tornado amiga daquele pobre homem que estava com a vida um caos.
Melissa suspirou fundo ao ver o jovem partir em seu fusca. Parecia um homem gentil além de atraente, mas percebeu isso apenas depois, quando relembrou daquele estranho momento. Provavelmente, não iria mais voltar...
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Faça a gente ficar feliz, deixe seu recado (:
Obs: Se tiver problemas para postar recados, clique em "visualizar" depois de escrever sua mensagem, e então clique em "postar".
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.