02 setembro 2013

Bienal Online + Capítulo especial de lançamento "A mensageira"

O dia de hoje é especial na Bienal Online, porque "A mensageira", livro que Márcia Albuq, está sendo lançado. A seguir, com exclusividade, o primeiro capítulo do livro.

No blog "O reino de Betra" você confere a entrevista de Márcia sobre sua nova obra, e logo mais a noite, 19h, você pode participar do bate papo com ela, através do facebook da Bienal. 


Convite

Enquanto Sophi tentava se concentrar sobre uma pilha de livros expostos em uma das mesas da Praça do Suicídio, como é conhecida no bloco de Economia da Universidade Federal da Paraíba, ao longe Pedro a observava e caminhava em sua direção. Calça de linho azul escuro, blusa branca de botões dourados que combinavam com seu brinco pequeno se destacando em meio ao cabelo negro preso por uma caneta azul. Nas mãos muitos papéis e nos pés um toque de ansiedade pelo balanço constante que batia suave e insistentemente na cadeira da frente. O assunto parecia não querer entrar em sua mente e, por alguns segundos, ela soltou os papéis e colocou as mãos na mesa inclinando a cabeça num instante de descanso. Pedro aproveitou esse momento e sentou logo a sua frente sem que ela percebesse.

– Um chocolate pelos seus pensamentos inquietos? – sentado à frente de Sophi estava ele com as duas mãos apoiadas na mesa e o queixo sobre elas à espera do turbilhão de reclamações que viria pela frente.
– O que você quer “apóstolo Pedro”? – Sem erguer a cabeça ela responde deixando que seu stress ressalte com ironia ao amigo de longas datas.
– Sophi, você realmente está azeda, nem mesmo o apóstolo Pedro conseguiria se aproximar ou te aguentar. Vim em missão de paz, somente – disse quase se preparando para sair e deixá-la sozinha com seu azedume.
– Desculpa Pedro, desculpa! – ressaltou levantando-se e segurando em sua mão para que ficasse – Desculpa mesmo, estou cansada, há dias não estou conseguindo dormir bem, estou com muito trabalho e sem render, finalizar.
– E sem conseguir gostar, não é? –soltou a sua mão da dela e contornou a mesa comprida sentando-se ao seu lado. Cruzou os braços sobre a mesa como apoio e se pôs a olhá-la, enquanto ela silenciosamente, de olhos cabisbaixos, pensava em suas escolhas – Até hoje eu não entendo o porquê de você insistir neste curso Sophi. Você é inteligente, se esforça, é a melhor aluna, mas é tímida, não gosta de se expor, de falar em público, não tem prazer, se mata e o pior, não vive a vida, se dedica por um curso que só te enfurece, te estressa. Tudo é tão curto e transitório que se você parasse para pensar veria o quanto tem desperdiçado da vida. – Num impulso deixou que sua mão tocasse os cabelos dela colocando uma parte atrás da orelha que o impedia de ver o desenho do seu perfil. 






Ela rapidamente se esquivou e tentando se recompor retirou a caneta que prendia o cabelo na intenção de afastar a mão de Pedro do seu rosto.
– Eu gosto do meu curso Pedro. Só estou cansada esses dias – retrucou se afastando dele e juntando tudo que estava lendo para colocar em uma bolsa preta de couro que levava para todos os lugares.
– Você deveria se dedicar a estudar as estrelas, os astros, a geografia, a história, não é dessas coisas que você gosta? – questionou Pedro tentando acompanhar os passos longos e apressados dela que seguia pela praça.
– Adoro Pedro... mas isso é hobby, não profissão, isso não vai me sustentar, não vai sustentar uma vida de qualidade. – sempre incisiva repreende o amigo que a acompanhava até seu bloco – Sinceramente, pra mim, qualidade está intimamente ligada à satisfação e não vejo isso em você! Te vejo cansada e desgastada, sem falar que você está estendendo isso desde o primeiro período, imagine quando estiver no fim? – disse enquanto paravam em frente a sala 205 do bloco de Direito e entregava a bolsa para ela.
– Vou ter me acostumado com o ritmo! – respondeu dando um beijo do lado do rosto dele.
– Está bem, desisto de te convencer, você é teimosa demais!– respondeu sorrindo e aproveitando o momento para fazer um convite– Que tal jantarmos hoje pra diminuir seu stress? – Ela olha para trás e vê aquele olhinho brilhando quase escondido atrás do cabelo que esperava um “sim” do mesmo modo de quando ainda era um menino e a chamava para brincar no parque.
– Onde? – Sophi respondeu rápido antes que ele começasse toda uma insistência.
– Na minha casa, te pego às sete, pode ser? Meus pais vão fazer um jantarzinho pra conversar com alguns amigos. Acho até que minha mãe deve ter ligado pra Antônia, vive falando que está com saudades dela, que nunca mais a viu.
– Provavelmente não vai conseguir, essas semanas de provas são muito corridas pra ela! Teu pai vai tentar me catequizar? – questionou de uma forma descontraída de se preparar para a noite.
– Claro, faz parte dele! Esteja pronta então às sete – disse sorrindo e seguindo por entre os corredores, enquanto ela
vencida entrava na sala silenciosa para mais uma prova de Direito Penal.
À noite, enquanto se arrumava, pensava em Pedro e o quanto se sentia feliz com ele, como era paciente e mesmo em seus dias de extremo cansaço ele ainda acertou que o que precisava seria uma boa noite regada de conversas agradáveis.
Sua mãe, como sempre, estava na universidade, ligou avisando do convite e que não poderia ir. Muitas semanas mal se viam, praticamente jantavam na sexta e tomavam café da manhã no domingo. Como seus avós moravam em outra cidade e não tinha irmãos se dedicava aos estudos e aos poucos amigos que tinha.
Enquanto procurava um brinco vermelho o interfone tocou. Ainda não estava pronta, mas desceu a escadaria rapidamente, embora tivesse quinze degraus. Abriu a porta e lá estava ele. Calça jeans escura, blusa verde clara esportiva, um tênis escuro tipo All Star, cabelo um pouco molhado, mas despenteado naquele corte crescido que, às vezes, cobria seus olhos. E sorrindo, como sempre, já fazia parte do seu rosto aquele sorriso.
– Você está linda! – disse aproximando-se para beijar seu rosto.
– Você é sem dúvida um cavalheiro, isso é fato. Ainda de roupão você me diz que estou linda, devo estar mesmo! – sentando-se no sofá Pedro se acomodou e se pôs a mexer na estante ao seu lado, repleta de livros.
– Ótimo, fique aí mesmo. Vou subir e terminar de me trocar – seguiu para o quarto enquanto ele ficou folheando alguns livros.
Antônia, mãe de Sophi, é uma professora apaixonada pela profissão e sempre requisitada em palestras e congressos. Tornou-se uma economista muito reconhecida e viajada. Sua casa é elegante e tem um tom de classe. Bem dividida tem de entrada uma sala de visita onde organiza toda uma biblioteca agradável. Dois sofás brancos e grandes, ao lado uma estante do tamanho da parede repleta de livros de diversos assuntos, desde literatura até política e economia que tanto atraia Pedro. Telas de arte abstrata quebravam a brancura das paredes e do sofá, estes acompanhavam o tom preto e marrom dos móveis.
No quarto Sophi apressadamente coloca um vestido longo amarelo escuro que desenha as curvas do seu corpo e que
parecia mais sério para uma noite em uma família tão tradicional. Os pais de Pedro são muito agradáveis e a conhecem desde quando era criança. Seu pai Augusto é um homem jovem, um arquiteto dedicado ao trabalho e à família. No entanto ela precisava se preparar, pois em todos os seus encontros ele era super persuasivo e adorava confundir sua lógica com suas pregações religiosas em meio a conversas. Silvia a mãe dele é um doce, amiga da mãe de Antônia desde a faculdade, é bonita e amorosa.
De frente ao espelho seus pensamentos voltam para o quarto, ela solta o cabelo longo que cobre as costas um pouco nua. Os brincos vermelhos combinam com uma sandália avermelhada e alta no mesmo tom da pequena bolsa-carteira que a acompanhava. No rosto, pouca maquiagem. Seus olhos orientais estavam expressivos com um delineador preto que enfatizava seu olhar e os grandes cílios, destoando com a boca em vermelho-sangue. Com um perfume de flores que exalava docemente ela desce a escadaria quebrando toda a atenção de Pedro que desvia seu olhar do livro para apreciar sua descida. Acompanhando desde sua pisada elegante até o sorriso do qual ele não suportava apenas olhar, rapidamente seguiu para esperá-la embaixo.
– Linda!
– Acho bom você deixar “linda” a estante, antes que minha mãe chegue e encontre livros por todos os cômodos da sala – disse apontando para os livros abandonados no sofá que Pedro distraidamente deixou.
Pedro sorri e organiza os livros na estante como estavam. Sophi o aguarda na sala até ele terminar, a seguir eles saem da casa, ela fecha a porta, guarda a chave na bolsa e o acompanha até o carro que ele educadamente abre para ela entrar.
– Uma coisa eu tenho que admitir você sabe me surpreender – disse enquanto fechava os olhos apreciando a música que ele deixava tocar no carro. –Ela não viu nada, pensou ele, e seguiram sem mais uma palavra, apenas ao som da bossa.
A casa de Pedro é muito iluminada e agradável. Os portões de entrada são grandes e dão acesso à casa que mais se parece com um sítio quando ultrapassamos os muros que a cerca. Árvores dão sombra a uma iluminação esverdeada. Seguimos um caminho trilhado por gramas e palmeiras, e ao final nos encontramos com aquela casa de madeira aconchegante que mais parece cenário de filmes em lugares frios. Árvores, flores, terraço comprido e inclusive redes. Apesar
de morarem só os três a casa acaba constantemente movimentada pelos familiares que moram fora e sempre vêm visitar a família ou passar férias. Na descida do carro logo fui agraciada por Augusto que chegou para me recepcionar.
– Quanto tempo Sophi que você não vem nos ver? – Augusto se aproxima e a abraça longamente.
– É mesmo Augusto, estou em falta com vocês – disse enquanto sem jeito aceitava o abraço que sempre quebrava sua falta de habilidade em ser amorosa.
– Sophi, querida, que saudades! Antônia me ligou, não pôde sair da universidade, é uma pena! – Silvia veio falando desde a cozinha com aqueles olhos brilhantes e de braços abertos para abraçá-la também.
– Oh Silvia, perdoe minha mãe. Nem tive a chance de vê-la hoje, ela está numa semana muito cheia – justificou-se enquanto tentava ser o mais amável com aquele abraço acalentador de Silvia.
– Venha, entre, sente-se, Augusto vai nos servir de vinho para conversarmos um pouco. – Enquanto sentava Augusto foi até a adega no canto da sala que ele expunha com orgulho. É um homem muito elegante e entendedor de vinhos. Bebemos, conversamos, sorrimos. Jantar na casa de Pedro é sempre muito
agradável. Depois da minha chegada mais dois casais amigos chegaram e a reunião estava completa. Fomos até tarde.
– Pedro, sei que está ótima a conversa, mas preciso ir. Não estou dormindo bem e acabo ficando com sono no dia seguinte. Ainda tenho de ler algumas coisas e já passa das dez, você pode me levar agora? – pediu delicadamente sem que os outros entretidos percebessem que queria ir embora.
– Claro, vou subir e pegar uma coisa pra você!
– Pra mim? Presente?
– É!
Enquanto ele foi buscar o tal presente ela aproveitou para se despedir de todos e agradecer o jantar. Desceram as escadas e seguiram para o carro. Sentaram um de frente ao outro num silêncio mórbido como era de costume.
– Pedro, me desculpa por hoje de manhã. Você sempre foi meu melhor amigo, meu companheiro, não tinha o direito de ser agressiva da maneira que fui – Sophi falou baixo, envergonhada, sem olhar nos olhos. Expor sentimentos não era um ponto forte de Sophi.
– Não estou chateado com você, te ver angustiada como te vi hoje me incomoda muito porque...– deu uma pausa, olhou para ela fixamente e retomou – eu gosto demais de você Sophi,
gosto tanto que nem sei a medida e nem sei até quando. Fere-me muito saber que sou “seu amigo de infância”, apenas isso.
– Não te dou esperanças porque gosto de você como amigo, uma pessoa que tenho admiração. E esse gostar Pedro é maior que muitas coisas. Quantos casais nós conhecemos que são namorados ou casados e são infelizes? Muitos! Somos felizes a nossa maneira, você precisa ver isso – retrucou insistindo para que ele percebesse que ela gostava de uma forma diferente.
– Não dessa forma Sophi. Crescemos, mas desde criança eu gosto de você. Gosto de você como mulher. Eu quero você como namorada... – insistiu – não entendo porque você tem medo de viver isso.
– Não acredito em namoro, casamento, pra sempre... não acredito nisso Pedro e já te disse milhões de vezes, não se iluda comigo, não perca tempo neste sentido, não posso te oferecer nada. – sentou de frente e se posicionou para saírem encerrando a conversa já irritada.
– É uma pena! Tenho certeza que você nem sabe o que diz e nem o que sente de verdade. – posicionou-se, ligou o carro e seguiram em silêncio.
Chegando à sua casa ela abriu a porta, saiu e ele permaneceu na mesma posição.
– Espera – disse ele se lembrando do presente. – Comprei pra você, espero que goste. –Ela contornou o carro, aproximou-se da janela dele e segurou o presente. Por alguns instantes tentou fitar seus olhos que não mais a encaravam.
– Vivo a te pedir desculpas porque gosto demais de você e não quero estragar tudo. –esticou-se para alcançar seu rosto e beijá-lo. Em seguida deu alguns passos a caminho da porta de casa enquanto ele continuou olhando para ela até que entrasse.
Entrou em casa, estava tudo escuro. O carro na garagem, provavelmente a mãe estaria na biblioteca estudando ou no quarto dormindo. Subiu silenciosa até seu quarto, abriu a porta e se jogou na cama a pensar sobre aquela caixinha que cabia na palma da mão. Abriu o laço branco e dentro havia um objeto estranho. Dourado e antigo, semelhante a um chaveiro. Redondo com umas letras gregas ao redor, marcações semelhantes a uma bússola, mas em aspecto bem antigo. Todo desenhado em ouro. Ela observava todos os detalhes do objeto encantada com sua beleza. Adorava utensílios antigos e misteriosos. Aproximou-se do criado-mudo, pegou o telefone e ligou para Pedro.
– Alô, Pedro?
– Oi Sophi – respondeu com a voz séria.
– Que coisa linda, o que é isso? Onde você comprou? Eu adorei!
–Eu encontrei num antiquário novo que abriu no centro da cidade, naquelas galerias antigas. Chama-se “Astrolábio”. Tem alguma coisa a ver com estrelas... – depois de uma pausa – me lembrei de você.
–Vai ficar na minha escrivaninha perto dos livros para que eu possa sempre olhar pra ele. Eu adorei, viu?! Obrigada! Boa noite, beijos. – Ele respondeu boa noite friamente e em seguida desligou.
Apesar de sempre insistir Pedro nunca havia demonstrado frieza como agora o que a deixou confusa. Ela continuou a refletir sobre essa paixão que cresceu, que ele quer viver e o quanto ela teme em perdê-lo por não aceitar seu pedido de namoro tão insistente e antigo.
– Você? Quem é você? Por que te encontro aqui todos os dias? Odeio seu silêncio, por que fica de costas, por que não consigo tocar em você? Onde estou?Que lugar é esse?
Silenciosamente Sophi se aproxima, embora a mulher de branco continue de costas, calada, sem se mover. Ela se aproxima cada vez mais, e quanto mais próxima chega, maior é
o cheiro de jasmim. A mulher misteriosa vestia uma roupa estranha, comprida e branca, tão branca que iluminava o lugar escuro do qual não conseguia ver nada mais além dela sentada em uma enorme pedra. Os cabelos compridos e encaracolados estavam presos por uma fita dourada no centro deixando que os cachos caíssem sobre seus ombros.
Sophi se aproxima ao máximo e chegando mais próximo ela vê suas mãos abrindo-se vagarosamente para que ela pudesse enxergar o objeto que segurava: o astrolábio.
Num susto angustiante Sophi acorda percebendo que pegou no sono com o objeto na mão e estranhamente impressionada com o sonho que se repetia todas as noites e que agora podia se aproximar, sentir cheiro e ver esse objeto que ganhou de presente.
Antes era um sonho, uma mulher que a perseguia insistentemente há dias sem a deixar dormir, e agora isso. Seus pensamentos céticos pareciam estar sendo provocados. Nunca acreditou em nada além do que pudesse ver ou tocar e agora essa mulher perturbava seus sonhos, o que ela queria? –O que ela quer comigo? Nem acredito que estou fazendo isso, temendo a um sonho!– Seus pensamentos corriam assustados.



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